quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Acreditar

De acordo com o memorando da Troika, os bancos tem uma tarefa hercúlea até 2015 para reduzir o GAP de liquidez, com vista a alcançar um rácio do crédito sobre os recursos de balanço de 120%.
Com este “fechar da torneira” do crédito, e que está em curso, as empresas já estão a ser afectadas na sua atividade e nos seus investimentos planeados, com óbvias repercussões no seu crescimento, e com dificuldades de negociação a montante e a jusante da sua cadeia de valor. Os particulares também estão a deixar de poder assegurar o seu habitual nível de vida, em muitos casos elevado porque estava alavancado no crédito ao consumo, obrigando-os a efetuar cortes drásticos nos gastos pessoais. A juntar a isto tudo temos o aumento de impostos diretos e indiretos, com um efeito devastador no rendimento das famílias e na atividade das empresas. E o que mais está para vir!
Contudo, a correr bem esta “receita” da Troika, é dito que no final de 2013 começaremos a ver uma “luz ao fundo do túnel”. É este ponto que tem sido muito discutido nos media, com muitos comentadores a duvidar que tal vá acontecer. Mas é razoável defender que, se uma empresa ou uma família deixar de estar endividada em relação à receita que gera, e demonstrar que são capazes de reestruturar a situação de aflição em que se envolveram, os bancos voltarão a analisar e a financiar os investimentos certos ao novo crescimento. É isto que se espera que aconteça no final de 2013; que tenhamos feito o trabalho de casa e que consigamos voltar a ter acesso aos mercados, para os bancos voltarem a financiar as famílias e as empresas, de uma forma virtuosa.
O ministro das finanças disse há dias que para sairmos desta situação não há um só caminho, mas que o Governo está a tentar tomar as medidas acertadas. Os portugueses normalmente colocam sempre em causa as decisões de quem manda. E quando a previsão ou o projeto corre mal, a primeira coisa que lembram é que na altura pensavam precisamente o contrário. É cultural.
Mas é preciso acreditar. É preciso acreditar que é possível sair desta infeliz situação e entrar numa nova espiral, numa espiral de enriquecimento.

Percepção



A descoberta da real situação financeira da Madeira está a causar desconforto aos portugueses do continente.

Sem prejuízo do sucedido em anos anteriores, percebeu-se que o Governo Regional continuou a gastar, desviando fundos e sonegando informação, mesmo quando o país já apresentava sinais de grande debilidade financeira. Os portugueses sentem-se enganados e abusados.

Mas, simultaneamente, há muitas criticas à forma como a opinião pública dos países do norte e centro da Europa tratam os países do Sul, precisamente nas questões relacionadas com o sobreendividamento e informação escondida.

É uma questão de percepção...

Filipe Garcia
Economista da IMF, Informação de Mercados Financeiros
Publicado no jornal Metro em 22 de Setembro de 2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Processo



Kafka explicou-nos como o absurdo, quando repetido, corre o risco de ser levianamente assumido. Não será também o nosso sistema financeiro um processo?  Porquê assumir limites como metas? O défice não deveria ser nulo?
Economicamente falando, a questão é discutível.  Muitas vezes é melhor optar por gastar (via investimento) mais do que se pode, porque supostamente se gera mais valor do que a taxa do respectivo crédito e para não perder oportunidades do mercado.
Este não é, infelizmente, o nosso caso. Preparar ao país para défice nulo no longo prazo é tornar Portugal Sustentável.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Jogo da corda

Os Bancos tem um único objectivo até final do ano, e anos seguintes, até 2013: Diminuir a carteira de crédito e aumentar os recursos de balanço, ou seja, controlar o GAP de liquidez.

Esta estratégia está em linha com a desalavancagem prevista no programa da Troika e portanto será uma inevitabilidade.

As empresas e os particulares estão também a fazer a sua desalavancagem, reduzindo e pedindo menos crédito. Quem não o estiver a fazer, já pode ter colocado em causa a viabilidade da sua própria empresa ou a solvência pessoal enquanto particular.

O Governador do Banco de Portugal veio hoje afirmar, que os Bancos deveriam utilizar as ajudas previstas no acordo da Troika para continuar a apoiar a economia real. Isso implicaria uma entrada do Estado no capital da banca e, sinceramente, não me parece que isso vá acontecer de forma generalizada. O que a banca efectivamente pretende é receber o que o Estado lhe deve, ganhando liquidez e financiar a economia.

Parece haver um efectivo desencontro de interesses nesta matéria, e um bom exemplo é o acordo que tarda a acontecer sobre a alteração contratual anunciada nas linhas PME Invest que estão em curso, e que implica uma moratória no reembolso do capital aos bancos por mais um ano.

Partindo a corda, a "coisa" pode melhorar.

Falta de Seriedade


Infelizmente, os portugueses tem sido vitimas da sua própria falta de seriedade. Falta de seriedade na cidadania de discutir os problemas reais do país, em vez de concursos de famosos ou penalties por assinalar. Este clima de falta de responsabilidade generalizado - e de falta de sentido de discussão dos problemas (em vez de criticar politicos e seguir para outro assunto) - conduziu a este estado, em que governantes usam e abusam do poder que têm, perante total impunidade e silêncio dos mais altos órgãos de Estado.

Para cúmulo, os supervisores vêm agora dizer que a responsabilidade é de quem enganou, e não de quem foi enganado. Sejamos sérios, todos. É evidente que a culpa foi dos governantes da Madeira ( e sobretudo dos eleitores, que os elegeram já consecientes dos tipos de políticas que praticam), mas é para isso que existem supervisores pagos por todos. Se não cumprem, são culpados também. Tão simples como isso. O mercado puro é um blogue, não é um axioma.

Pelo menos que não fiquem impunes os culpados de todo este disparate. Os contribuintes da ilha devem pagar pelos erros daqueles que elegeram, enquanto os que esconderam para baixo do tapete a falta de seriedade que até agora praticaram devem ser responsabilizados pelos órgãos de Estado competentes. Pode não servir de muito para resolver este problema, mas evita outros, e reduz o volume da diarreia verbal que temos vindo a ouvir do líder do Governo local.



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Auto estima

A forma ténue como recentemente destacamos nos media os elogios do FMI, sobre os resultados positivos alcançados no nosso caminho da execução orçamental, revelam muito pouco auto estima por aquilo que estamos a fazer bem e num ambiente de grande adversidade.

A prova, foi retirada pela forma exacerbada como destacamos as recentes notícias do “buraco” da Madeira, abafando por completo as notícias positivas que simultaneamente estavam a ser produzidas pelo FMI e UE.

Este é um mal geral e que só se altera através de uma mudança de mentalidades, as quais, são talvez as mais resistentes à mudança.

Livres


Já muita tinta foi consumida a escrever sobre os horários de funcionamento do comércio. A polémica entre os que defendem uma visão mais próxima dos consumidores – procurando a compatibilização de horários de acordo com os desejos e necessidades destes – e os que consideram que esse principio está errado – os horários devem ser marcados segundo a agenda de quem vende e não de quem compra – é antiga e não existe consenso. Os exemplos internacionais são de tal forma diversificados que também não marcam a pauta neste tema.


Os mercados abertos e de livre concorrência geram melhores resultados para todos. Para os clientes, que têm acesso a melhores preços, a mais variedade de oferta e quase sempre a melhor atendimento e serviço. Para as empresas de distribuição, porque mantém princípios de boa gestão e altos níveis de competitividade (o erro paga-se caro e tem de ser evitado ou corrigido rapidamente), preparando-se assim para se defenderem de potenciais concorrentes enquanto adquirem competências para outros mercados.

Em livre concorrência é o equilíbrio entre a oferta e a procura que define o mercado, mas tendencialmente existe mais oferta que procura, pelo que acabam por ser os consumidores a tomar – cada vez mais – as decisões relevantes. Neste contexto, parece evidente quem pode e deve marcar quais os horários em que quer fazer as suas compras, sobretudo quando o concorrente digital está aberto 24H.

Com honrosas excepções que merecem aprofundado estudo, as regulações e limitações impostas por reguladores, leis, governos nacionais ou regionais, apenas acarretam maior assimetria entre oferta e procura, com óbvias perdas de produtividade e competitividade. As limitações de horários que continuam a existir nos mercados constituem cedências que não acarretam valor a uns nem a outros, mesmo que com decrescente relevância.

De facto, que sentido faz hoje não ser possível vender produtos de noite onde o ruído não é problema? Porque é que só se podem vender fraldas, revistas ou manteiga em postos de abastecimento depois da meia noite? Porque é que um bar não pode servir refeições toda a noite, mas as roulottes de duvidosa higiene obtêm licenças para tal? Até onde nos levam estes proteccionismos? Nem sequer aprofundo a questão dos fármacos, porque esses merecem um artigo para si só, tal é a gravidade da situação.

Como disse um dia o falecido Ernâni Lopes, existem muitas e fortes razões para liberalizar até ao limite o funcionamento do comércio, mas a principal é a competitividade e a produtividade do mercado. Não é esta a questão do momento?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Patinagem Artística



O novo ministro das finanças trouxe para o palco mediático nacional uma forma diferente de comunicar.

As suas intervenções são pausadas, ponderadas, estruturadas e é agradável verificar uma clara demarcação de face ao tom populista e espampanante que costuma caracterizar o discurso político em Portugal.

Mas, analisando mais o conteúdo do que a forma, verifica-se que Vítor Gaspar permanece titubeante, nomeadamente pela recorrente dificuldade de apresentar os "cortes sem precedentes na despesa pública".

Parece ser um caso de boa nota artística, mas com nota técnica bastante comprometedora.

Filipe Garcia
Economista da IMF, Informação de Mercados Financeiros
Publicado no jornal Metro em 16 de Setembro de 2011


Muita táctica pouca estratégia

Para acreditar numa estratégia, é preciso que ela inclua um conjunto de medidas que façam sentido entre si e que, há luz de acontecimentos do passado, presente e previsão de futuro, sejam implementadas com determinação.
Mas os sinais que assistimos da política económica é de ajustamentos sucessivos e muitas vezes contraditórios, agravando o sentimento de incerteza nos mercados. Este clima é propício para que a iniciativa privada se mantenha com uma atitude demasiado prudente, face aos indicadores económicos das principais economias mundiais.
Falta estratégia que inspire confiança, e que retire o sentimento actual de que só os Estados é que têm condições para promover a recuperação da economia.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Mercado Paralelo



Já se escreveu muito (nunca é demasiado) sobre o facto dos Governos serem incapazes de fazer um corte na despesa, abusando da sua condição de monopolista sobre os seus accionistas. Tem-se escrito pouco sobre os efeitos nefastos e perigosos de algumas das medidas.
O aumento generalizado de impostos e taxas e a diminuição das deduções constitui um estímulo à fuga ao fisco e ampliação do mercado paralelo existente em Portugal. É questionável se estas são as melhores medidas, mas é inquestionável que têm de ter um prazo, sob pena de condicionarem o sistema em definitivo

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Quem Paga a Crise?

A componente da crise a ser resolvida com o aumento das receitas do Estado tem duas vias, os impostos sobre o Capital/Património e os impostos sobre o Trabalho.

Ambos os lados da receita terão de dar o seu contributo, com uma percentagem que dependerá das opções políticas. Ultimamente tem-se enfatizado os argumentos para evitar a tributação do Capital afim de evitar a fuga de divisas mas, de igual modo, pode existir fuga de Trabalho, facto mais prejudicial ao País pois perdemos especialização e talento.

Outros Países já compreenderam esta realidade pedindo esforços doseados em conformidade, como será em Portugal?

António Jorge

Marketeer e Docente Universitário

domingo, 11 de setembro de 2011

Um Exemplo que vem do Norte

Volvidos 3 anos sobre a intervenção do FMI na Islândia, os resultados obtidos são, no mínimo, surpreendentes. Senão vejamos: a economia cresce a 2% prevendo-se 4% para 2013, o défice público reduziu de -9% para -4%, o défice externo passou de -28% para +2% e o desemprego caiu cerca de 50%. A Islândia é a prova de que é possível sair da crise, a questão que se coloca é se Portugal, que se encontra numa situação bem menos difícil que a Islândia de 2008, será ou não capaz de seguir os bons exemplos. Jorge Serra Gestor Publicado no jornal Metro em 9/9/2011

Consumo no Natal

Como será o o consumo neste final de ano, sobretudo no mês de Natal?
A tendência de quebra de consumo está a colocar algumas marcas em risco e os fundos que as suportam nem sempre têm oxigénio ou vontade para as sustentar. As empresas mais bem preparadas ajustaram stocks, cortaram custos e preparam-se para a travessia do deserto, procurando sair reforçadas da crise (ou será um novo e definitivo estado da economia?).
Neste cenário, o que se pode esperar do consumo este Natal, tendo em conta a menor disponibilidade financeira dos portugueses, sobretudo da classe média e média alta? Não há estudos que nos possam dar resposta a esta pergunta, porque é irrelevante saber o que as pessoas pensam fazer: elas não sabem. Também não há históricos que possam valer - não há memória de uma situação assim, especialmente se tivermos em conta o panorama de instabilidade internacional e inflação/taxas de juro desencorajantes. Farei aqui um exercício arriscado de adivinhação, com a lógica e bom senso como único suporte às minhas previsões pessoais…
Espera-se uma quebra ligeira no consumo de brinquedos, mais no valor das prendas do que na quantidade. Entre os que mantêm o emprego – ainda assim a esmagadora maioria – não se esperam alterações grandes, excepto talvez uma redução nas consolas de videojogos. Haverá também – como nos demais sectores – uma maior procura por promoções e poupança, pelo que se espera um estreitamento das margens para todos.
No vestuário e calçado, deverá existir uma quebra mais significativa, eventualmente de dois dígitos, tanto no infantil como nos adultos. Nos artigos de luxo, será o luxo acessível a brilhar nesta época. O sector alimentar terá uma quebra pouco significativa, quase irrelevante nos artigos de consumo da época, eventualmente maior nos gifts alimentares. Dramática será a situação no mercado imobiliário e de distribuição automóvel. Dramático ao ponto de mudar de forma definitiva os agentes que operam no mercado. Estes dois sectores podem no entanto ajudar os demais a sentir quebras menos relevantes. Pode ser que alguns portugueses, impossibilitados de realizarem investimentos em bens duradouros, não transitem os valores remanescentes inteiramente para poupança, vertendo uma parte para o grande consumo, minorando as perdas nesses sectores.
Onde não se esperam quebras é nos gadgets com grande aspiracional. iPads, smartphones e outros objectos de desejo serão os menos afectados pelas medidas decretadas …
Publicado na Hipersuper

sábado, 10 de setembro de 2011

Troikisses

A Troika, por muito que nos custe pelo orgulho que merecemos ter como portugueses, veio obrigar-nos a fazer o que qualquer gestor já sabia ser necessário há demasiado tempo. Gastar menos, ser mais eficaz e produtivo. Eliminar proteccionismos em legislação aplicável ao mercado de trabalho, comércio ou função pública, entre outros. Criar condições para a produtividade. Até lá, pagaremos pelos erros. É justo. O que não é justo é vender empresas a qualquer preço. Sobretudo empresas como a EDP. Soberania nacional é saber travar aproveitamentos alheios dos momentos débeis internos.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Governo de Gestão



As expectativas relativamente a um novo governo são sempre muito altas.

Quase em uníssono, pede-se aos novos intervenientes que sejam capazes de desenhar “estratégias de longo prazo para o país” e que “iniciem reformas de fundo”.

Não será pretensão a mais? Não se arrisca, dessa forma, que cada governo e cada ministro queriam tentar fazer um país novo, à sua medida, a cada quatro anos? E fique tudo sempre a “meio caminho”, se tanto?

Talvez fosse preferível que o governo estivesse orientado para a boa gestão da coisa pública e a única opção estratégica fosse decidir onde o Estado deve ou não estar.

Filipe Garcia
Economista da IMF, Informação de Mercados Financeiros
Publicado no jornal Metro em 2 de Setembro de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Regresso às Origens

Portugal hesita entre o que já foi e o que há-de ser. Talvez, como escreve J. Gil, tenha medo de existir. Porém, um lado positivo da “crise” é obrigar-nos a fazer escolhas – criteriosas, selectivas e rápidas.

Convicto que poderemos ser o que quisermos mas não tudo o que queremos, a nossa economia deve reencontrar áreas de valor distintivas e aí concentrar esforços. O mar, a floresta ou o sol serão os recursos mais preciosos? Então construamos inteligentemente redes de competitividade e inovação viradas para fora e o futuro. Dispersar recursos mantém a clientela feliz, mas hipoteca o amanhã.

Luís Ferreira, Exertus – Consultores

Publicado no Jornal Metro em 1-Set-2011