sexta-feira, 24 de abril de 2009

Brincar com o futuro da música

Em qualquer negócio, tratar os clientes como criminosos diz sempre mais sobre os negociantes do que dos clientes. Mas para algumas pessoas no topo da indústria discográfica, aterrorizar meia dúzia de pessoas com processos no valor de centenas de milhares de dólares por cada música partilhada é algo moralmente válido. Isso diz muito sobre o estado actual deste sector e de quem o dirige.

A indústria tem coleccionado sucessivos tiros no pé desde os primeiros tempos do Napster e, incrivelmente, isso não mudou a mentalidade, apenas o tom, o timbre e o tempo do choro. O caso Português é bem típico – nos anos 80, a imagem do rolo compressor a passar por cima das cassetes pirata era frequente. Agora mudou-se o “bode expiatório”, mas o discurso mantém-se. Só que é difícil levar a sério todas as lamentações (que por vezes são legítimas) quando são as editoras e não o público a fazer os tops e a escolher discos de ouro ao bombardear os retalhistas, mesmo que os discos não sejam vendidos aos consumidores. Antes, como agora, controlam a quase totalidade do que passa na rádio. Para mais, é difícil distinguir se o Tozé Brito que defende hoje a criminalização é o administrador actual da SPA ou um antigo executivo das editoras... e ainda há aquela questão dos 41 milhões que a entidade deve aos autores.

Aqueles que querem fugir aos tops têm pouco para onde se virar: o MySpace e a blogosfera musical têm demasiado ruído, o YouTube apagou milhares de vídeos e a rádio serve apenas como companhia para o mínimo denominador comum. O cenário idílico desejado pelas editoras não irá salvar a indústria – irá sim assinar a sentença de morte da música.

Luís Silva

Crítico musical

Publicado no Meia Hora dia 24/4/2009

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