Apenas para dar nota de um dado novo a este texto. A China anunciou ontem que o seu superavit comercial foi o mais alto de sempre. Uma leitura desatenta resultaria numa conclusão simples: continuamos na mesma tendência, nada mudou, o "decoupling" está em curso. Mas isso não é verdade. Este record acontece devido ao abrandamento das importações. Da Economia sabemos que o Investimento é leading e o Consumo é lagging. Ou seja, já se nota a forte redução de investimento na China, mas as exportações [de bens de consumo] ainda resistem, se bem que já a desacelerar. Uma análise destes números pode ser encontrada aqui.
Os mais atentos poderão invocar o plano apresentado pela China como algo que evitará males maiores. Pode até ser que sim, mas deve dizer-se que a maior parte das despesas já tinham sido anunciadas ,pelo que não há muito de novo neste anúncio. Há realmente motivos para preocupação.
Já toda a gente está a contar com um cenário no mínimo "cinzento" para os próximos tempos. Talvez grande parte das más notícias já se encontre descontada pelos mercados e por cada um de nós.
Mas parece ainda faltar um anúncio, uma má notícia por dar.
A China tem crescido a taxas perto de 10% nos últimos anos. Alguns analistas têm avisado que a economia chinesa já está a desacelerar, a ponto de este ano crescer "apenas" 7%. Infelizmente parece ser uma previsão optimista. A China pode já ter mesmo "parado" e a situação ser bem pior do que se diz. Alguns economistas "no terreno" têm dado conta do encerramento de muitas empresas, diminuição brusca do
consumo privado, mercado imobiliário em queda de 20% a 40%, excesso de stocks de matérias primas e queda de 30% no consumo de carvão nas centrais térmicas de produção de energia. Se a isto juntarmos a recente actuação do banco central e o excesso de navios nos portos, vazios e sem carga para transportar, temos razões para pensar que falta anunciar esta "desgraça" - o grande motor da economia mundial dos últimos anos já parou!
A crise só poderá "bater no fundo" quando todas as más notícias forem divulgadas. Até lá há que ter muita paciência e sangue frio. As empresas devem estar atentas à deterioração do seu ambiente operacional e que consequências isso terá na sua situação financeira. O nível de endividamento actual poderá ser adequado hoje, mas o mesmo pode não acontecer daqui a alguns meses. E nessa altura não é certo que a banca possa ter a liquidez necessária para emprestar a todos os que dela necessitam.
Filipe Garcia
Economista da IMF
Artigo publicado no jornal Meia Hora em 31 de Outubro de 2008 (pág. 9)
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