quinta-feira, 17 de abril de 2008

Sunday, Bloody Sunday

“Levanto-me para o que penso ser um Domingo de descanso. Um dia de recuperação, um momento de descontracção, a pausa merecida, o relaxe esperado. O primeiro momento alto devia ser um banho quente e retemperador, mas uma falha de gás obriga-me a um duche rápido e gelado, aparentemente porque ninguém está no piquete da empresa fornecedora, o que considero lamentável e incompreensível. Consciente que a lei de Murphy me aumenta as probabilidades de mais “momentums horribilus” como este, procuro tranquilizar-me com a excelência das ideias para programa que tinha mentalmente anotado antes de adormecer, criadoras de uma expectativa de um Domingo único. O pequeno almoço em casa torna-se impossível sem gás, pelo que – sem dramas – me decido por seguir para o Molhe, pensando em como um problema se pode tornar numa saudável oportunidade de melhoria. Desço a escadaria já preocupado, ao ver as esplanadas vazias. O sol já vai alto e o dia está perfeito, pelo que só há uma razão para o que pupilas focam e o cérebro confirma : os cafés estão fechados, as portadas de madeira envelhecida pela humidade do mar, e eu penso porquê. Um velho de bigode e cana de pesca murmura que é Domingo, ninguém trabalha e também não haveria pão fresco. “Uma vergonha”, remata, virando-se de novo para a imensidão do azul. Não penso em nada, reparo no lixo da praia e lentamente aceno a cabeça negativamente, surpreendido com o estado das coisas. Sei que o Parque da Cidade e Serralves estão fechados ao Domingo para descanso do pessoal e que não havia recolha de lixos no dia santo. Mas que a situação era dramática, ainda não tinha percebido. Ligo o Ipod, e passeio pela marginal até ao quiosque, onde pretendo comprar o Expresso de ontem. Fechado. Volto a casa, entro no carro e sigo até ao hipermercado, mas o cenário é igual. No parque de estacionamento, um mini gangue parte o vidro de um carro e eu recordo-me que o sindicato das empresas de vigilância negociou com o MAI a proibição total de trabalhar ao Domingo. Sem jornal, ligo à minha irmã para combinar o almoço, feliz pela operadora não ter tido avarias irreparáveis ao Domingo. Reparo quase em pânico que o gasóleo está nas últimas, e sei que só amanhã poderei resolver esta situação. Encosto o carro junto a um passeio e sigo pela marechal a pé. Procuro imaginar o resto do dia, sem grandes soluções. Cinema? Fechado. Teatro ao Domingo? Impossível. Subir o rio de barco? Não há cruzeiros ao Domingo e não me atrevo àquelas zonas sem segurança a este dia da semana onde tudo parece não funcionar… nada parece mais descanso ou descontracção. Telefona-me o Jorge, furioso porque vai chegar atrasado. Desde que fecharam as auto estradas ao Domingo para descanso obrigatório dos portageiros e restante pessoal técnico, viajar tornou-se um pesadelo. Um pesadelo de Domingo, é isto que antevejo de repente, zangado comigo e com todos. Sento-me num banco em Cristo Rei e percebo lentamente que há apenas uma coisa que ainda não fechou ao Domingo. Pergunto-me se é por ela que devemos todos abdicar de um dia de lazer, com acesso a tudo que nos faz falta para poder realmente usufruir. Fará sentido um Domingo assim?” O único argumento que hoje os que defendem as restrições para funcionamento do comércio ao Domingo têm é o do descanso dos trabalhadores, provada que está a importância da liberalização na competitividade, no emprego e na conveniência dos consumidores. Trata-se contudo de um argumento que perdeu validade. Não hoje, nem ontem, mas há décadas. A vida numa sociedade civilizada não permite descanso e recuperação sem a existência continuada de serviços de suporte, garantidos por parte da população, que descansará noutro dia. Esta realidade não tem nada de novo, de tão óbvia até parece redundante. É por tal razão que na falta de argumentos os arautos da defesa cega do proteccionismo bradam, ralham e gritam, em desespero por saber que não têm a razão do seu lado.

2 comentários:

Jose Antonio Ferreira disse...

Esqueceu-se do GOLF !!!! E um excelente programa para o Domingo... Acho que faz sentido a sua reflexao desde que seja acompanhada de mudanças profundas na legislaçao laboral e na estrutura da sociedade. Se o Domingo passa a ser um dia normal entao tambem se tem que acabar com os suplementos pagos ao Domingo , as folgas extras , etc, etc,. Eu defendo a liberalizaçao dos horarios,desde que sejam liberalizados para todos os sectores da economia... se nao a familia e que sofre e esta deve ser preservada !!!! Ja imaginou um casal que nunca se encontra para programas em familia com os filhos porque um descansa ao fim de semana e o outro a meio da semana .... Como fica brincar com os filhos que tem aulas a semana e ao fim de semana teriam de ficar sem os pais ou apenas com um deles ... Por estas e outras razoes a taxa de natalidade esta a descer perigosamente em Portugal , com tendencia para se agravar... como resultado temos os deficites da segurança social, o abrir portas a emigraçao ( ja nao temos capacidade de repor o numero de habitantes ) , etc. etc. etc.

Pedro Barbosa disse...

José,

eu não defendo a liberalização total no sentido que refere, porque dessa forma não havia fácil compatibilidade da maior parte das familias gozarem em conjunto os seus feriados. É por isso que eu acho que o trabalho neste tipo de dias (Sábados, Domingos, feriados) deve ser assegurado de forma rotativa e com preço premium, precisamente para fazer repercutir o esforço extra (ou o custo de oportunidade, visto do
ângulo contrário) de quem trabalha nestes dias.

O que me parece não fazer sentido é regular administrativamente fechos ao Domingo, com um pretexto que, como se vêm, jã não existe, ainda para mais com custos evidentes na taxa de emprego.