quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Diálogo sobre Portugal

Um jornal especializado em assuntos de economia desafiou-me ontem com algumas perguntas, a que tentei dar resposta. Pensei que seria interessante colocar aqui este diálogo, para tentar informar e suscitar debate acerca da situação actual.

1 - Quais são as pressões externas/internacionais que explicam o agravamento do risco de Portugal? Porquê?


Sem prejuízo das culpas próprias, há que notar um aumento da aversão ao risco global nas últimas semanas.
As bolsas estão a ficar pressionadas, o dólar em alta e os yields da Irlanda acima dos 9%, as casas de clearing a exigir mais margem para transaccionar dívida irlandesa e a Goldman Sachs a aconselhar a intervenção do FMI nos dois países. Estamos também em vésperas de G20.
Portugal tem responsabilidade por criar as condições de base, mas os últimos movimentos têm pouco a ver com a situação portuguesa propriamente dita.
 
2 - A nível interno há algo que esteja igualmente a pressionar? O quê?

Há a noção da existência de riscos de instabilidade política e de pouca força do governo, que poderá colocar em risco o processo de consolidação orçamental. Nota-se também a ausência de condições políticas para operar reformas de fundo. No entanto, não creio que, neste momento, sejam só factores internos a provocar a recente alta no yields.
 
3 - A solução para acalmar os mercados de dívida está nas mãos de Portugal ou depende de instâncias internacionais? Que medidas podem ou devem ser tomadas?

Penso que "a solução" não estará totalmente nas nossas mãos, pelo menos para a questão do curto prazo. E mesmo uma intervenção do FMI/UE apenas na forma do recurso ao fundo especial de apoio não resolveria a questão estrutural. Torna-se necessário alterar a forma de funcionamento do Eurogrupo, no sentido de definir formas de governance, hipótese de reestruturação de dívida pública, entre outros aspectos que confiram maior sustentabilidade à UEM.
Em termos nacionais, torna-se necessário olhar para o longo prazo e caminhar para défices 0 (zero), senão mesmo superavites. Portugal terá passado o "tipping point" em termos de dimensão da dívida e dada a capacidade de o Estado gerar receitas, as responsabilidades assumidas parecem incomportáveis, traduzindo-se num défice estrutural e quiçá crescente.
O problema é que vejo poucas condições políticas e sociais para mudar. As pessoas não percebem, nem querem perceber, que o país vive acima das possibilidades há muitos anos. As pessoas vão recusar-se a aceitar e haverá franjas políticas a alimentar a ilusão, mas que é apenas isso, uma ilusão. Tudo isso impede as reformas estruturais essenciais a adaptar o país a um mundo novo que é muito mais competitivo e exigente.
 
4 - Considera que os receios dos investidores sobre a dívida portuguesa são excessivos ou normais? Porquê?

Intuitivamente apetece dizer que 7% a 10 anos é muito alto e que um spread face à Alemanha de 5% é exagerado. Mas são valores que resultam, efectivamente, do estado de divergência orçamental a que chegamos e que se parece vir a agravar.
Faz sentido que nos tentemos colocar no lugar dos nossos credores e perceber qual seria a nossa reacção. Aliás, não foi a opinião pública e alguns partidos contrários a Portugal auxiliar a Grécia?  E porquê? Porque se achava que era arriscado, que o dinheiro poderia fazer falta e que não se deveria entrar no moral hazard de ajudar quem foi indisciplinado. Pois é assim mesmo que os "investidores" olham para Portugal.
 


3 comentários:

Anónimo disse...

O Goldman Sachs, multado em 550 milhões de dólares pela entidade reguladora americana, por ter defraudado os investidores com investimentos em hipotecas de alto risco; multado pela entidade reguladora inglesa em 27 milhões de dólares...aconselha???

57% dos portugueses auferem um salário mensal até 900 €. Isto será viver acima das suas possibilidades?
Porque não, dizer antes que há alguns sectores do Estado, da política, das empresas privadas, onde, devido a práticas de gestão danosa, irresponsabilidade, corrupção, tráfico de influências, alguns, viveram muito acima das possiblidades e contribuiram fortemente para o excessivo despesismo e consequente endividamento?

Reconheço e louvo-lhe o mérito de ser um dos raros economistas que admitem existirem factores externos que condicionam e agravam a situação económica e financeira de Portugal, independentemente dos erros calamitosos de quem nos tem governado nos últimos 30 anos.

Pedro Sequeira disse...

continuando no diálogo ...
A grande maioria da pessoas de facto não percebe que o país vive acima das possibilidades mas, peço desculpa, quer perceber! Não concordo com a opinião de que as pessoas continuam a deitar areia para os olhos propositadamente! É preciso é explicar bem, com clareza, a situação económica e financeira do país, transmitir aquilo que cada um deixará de ter direito (com racionalidade e respeito pelos pobres) e, simultaneamente, dizer aquilo que se vai fazer para daqui a dez anos estarmos melhor. Tim por tim tim e cumprir escrupulosamente. Enquanto isso não acontecer (através de um governo de "ditadura", mas responsável e sério, por dez anos), as tais pessoas continuam a andar às cegas sem saber até onde podem ir. Não basta fazer um discurso de verdade, é preciso que a verdade se traduza em factos e acções.

Ulf disse...

Desculpa reiterar a minha ideia. O que sinto é que mesmo as pessoas que já percebem o que se passa, tentam salvar o que podem. Ou seja, perante uma ameaça aos direitos adquiridos, lutam para os manter, mesmo que tenham a noção que são exagerados. Outros, suspeitam que assim possam ser, mas preferem nem querer perceber.

A esse propósito vale a pena citar um exemplo na Andaluzia, em que se está agora a passar a "factura oculta" que consiste em dizer Às pessoas de um hospital publico quanto foi o custo (não o hipotético preço de venda) dos procedimentos lá realizados, para tentar concretizar em números o que o utente gastou. Regra geral, os utentes ficam surpreendidos e reconhecidos.

Relativamente ao comentário anterior, eu não esotu a falar de salários. Estou a falar das comodidade que temos como sociedade e que não existem na mesma quantidade e qualidade noutras áreas do globo. Estou a falar de urbanismo, segurança, acesso aos bens e serviços, viagens, oportunidades, preços, etc.

Quanto ao Goldman Sachs, não esotu a analisar se a recomendação é boa ou não, ou se merece crédito intelectual ou não. Mas que a GS é ouvida e respeitada em todo o mundo é, e daí a importância do que a GS diz.